quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

O dia tem que terminar de alguma maneira

nem que seja a pedalar ao Sol poente sob o ar frio da tarde pela estrada que leva à aldeia do Candal na serra da Lousã. A luz em comprimentos de onda que, sob o céu pálido, fazia sobressair as cores dos musgos, dos líquenes e de pequenas plantas nos troncos dos castanheiros centenários e dos muros de pedra, estes com uns anos a menos, talvez umas largas décadas.
















No fundo, no fundo, as pedaladas são quase sempre a road to nowhere; é que, pedalada a pedalada, a paisagem vai-se redesenhando à volta. Ao longe, o que parecem duas árvores com a aproximação transmutam-se numa abóbada fractal; um muro de pedra em colinas verdes ...




























E, embora o não tenha feito, poderia ter ido a assobiar isto, acordando memórias de há mil anos:











domingo, 26 de janeiro de 2020

ordinary life, ordinary landscapes, ordinary day

No mesmo dia, um dia vulgar, pedaladas por caminhos conhecidos e nada de invulgar a registar. Apenas:

a água que flui, que se precipita em buracos que medem um palmo, do alto do pedras do tamanho de uma gato como se fosse as cataratas de Iguaçu,


o emaranhado fractal dos carvalhos desfolhados, que provavelmente, nos próximos meses se cobrirão de milhões de folhas,



um cedro que nasce numa cama de folhas mortas de carvalho, que parece frágil mas que tem a força da vida,


os belos troncos de cedro que brotam da terra, verticalmente como é da sua natureza,



a linha do horizonte descontinuada pela serra do Buçaco, sob nuvens que, caso invertêssemos a fotografia, pareceria uma paisagem verosímil,


o trilho por onde sigo, um carreiro de terra e pedras com bermas de folhas e jovens cedros,


o vale sob neblina de onde parti e que fazia adivinhar o Sol no cimo da serra,


o tronco escavado, insólito, como que mordido,


a berma do caminho, uma berma como outras bermas na berma do caminho da floresta, 


os próximos 20 m à minha frente, para onde olho e aponto o guiador da bike,


o maciço central da Estrela imerso em neblinas que, de tão longe, parece um cenário mas onde golfadas de ar fino me entraram já pelos pulmões em pedaladas passadas.



Ordinary life.


quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Completando a trilogia, desta vez um videozinho com veados e 4 pontos prévios

1. Trata-se, tal como os dois anteriores desta trilogia, de um videozinho da descida da serra;
2. O contexto: ia por ali abaixo e, às tantas, vi uns vultos que me pareceram veados (com lentes ao longe não vejo bem). Parei, tirei o telemóvel e apontei para lá. Mexeram-se? Sim.
3. Conclusão do ponto anterior: não são pedras nem troncos de árvore, logo são animais;
4. Por último, trata-se não apenas de um videozinho mas de dois. No fundo, é uma tetralogia. E mais uma fotografia ou duas.


Eles estão ali. Lá ao fundo. Descia transversalmente ao corta-fogo e, ao olhar para a direita, lá para baixo, percebi que por ali andavam. Depois de tantas pedaladas em solitário pelas serranias, e a ver com pouca resolução, excepto 3m à frente da roda da bike, desenvolvi um sentido apurado de perceção de sombras e movimentos nos limites laterais do campo de visão. Não sei se isto é verdade mas, pelo menos, é uma bela teoria que me tranquiliza.

É neste cenário aqui em baixo que vai ser feito o videozinho. Lá estão eles.
Para dar drama à acção, começarei por filmar o chão mais próximo para, depois, tentar apanhar um plano ao longe.



Ali. Mal parei, eles deram logo por mim. Enquanto manuseava o telemóvel, percebi que eles deveriam estar a fazer contas de cabeça: zarpamos daqui para fora ou o gajo está suficientemente longe? Três deles, os grandes, pastavam juntos e iam olhando; um outro mais pequeno andava por ali aos pulos, para cima e para baixo. Um juvenil.


OK, Here we go.


(Logo que dei dois passos, aproximando-me, fugiram a galope - parte superior da imagem)

Pronto, é o que se pode arranjar. Estes avistamentos são fugazes.

Antes de chegar à meia encosta - a encosta Norte - tinha atingido o Cabeço da Ortiga (com "o"). Num impulso, também aí fiz um videozinho. Chega-se ali a subir pelo lado Sul e, devagar, à medida que fazemos o pequeno planalto do cume do cabeço onde está o marco geodésico, abre-se o vale imenso até ao Caramulo (em frente, Norte), à Estrela (a Este) e ao mar (a Oeste). 

Durante o vídeo faço 3 apontamentos (literalmente: aponto com o dedo). Primeiro, assinalo o Trevim (cume da serra da Lousã a 1200 m de altitude), no segundo o maciço central da serra da Estrela e no terceiro o mar (na região da Figueira da Foz).
Quando estou a apontar para o mar, e de modo a conferir mais dinâmica à cena, simulo uma ave  a esvoaçar em frente à câmara - um apontamento plenamente conseguido, como é fácil de ver.

Quase que se avista transversalmente Portugal todo. Para Norte, além do Buçaco (uma espécie de meseta ao centro do vale) e do Caramulo, distinguem-se as serranias mais a Norte (Montemuro ...).

Aqui aos 900m e o videozinho dos veados lá mais em baixo aos 600 m.




Em princípio, a banda sonora segue dentro de momentos

domingo, 12 de janeiro de 2020

A continuación se publican mas 12 min

continuando la película del post anterior vamos a pasar ahora a continuación otra a petición de varias familias.

Outros 12 min irreversíveis e que não poderão ser resgatados ao tempo total que cada um terá disponível à superfície deste planeta.
Numa primeira fase, um estradão pela floresta para, no final, atingir a estrada asfaltada no local do miradouro da Aldeia de Chiqueiro. O estradão todo quilhado (do verbo "quilhar", to say the least) porque andaram por ali uns tractores e máquinas a desbastar a floresta. Depois, mais ou menos a meio (aos 6 min), vi pegadas frescas de veados e, aliás, um pouco antes tinha ouvido ruídos de cascos no chão folhoso. Nãos os vi mas eles andavam por ali. No miradouro nem me lembrei de filmar a paisagem. Fiquei preocupado ao ver dois belos cães mas que, presumivelmente, eram de um rebanho de cabras que por ali costumam pastar (já várias vezes falei com os pastores, um casal simpático). Um dia, no Verão passado, disse ao pastor que as cabras eram muito bonitas e estavam muito limpas, com um pêlo brilhante. Então, ele encheu-se de vaidade e contou-me a inovação: no estábulo, as cabras dormiam num primeiro andar sobre um estrado que o separava do piso inferior; assim os dejectos caíam para o piso inferior, sendo, depois, aproveitados para estrume, e as cabras mantinham-se limpas. Tinha ido a Espanha aprender a "técnica". 



E para compor isto: vuelvo al sur de Astor Piazzolla e cantado por Caetano Veloso.


Que, aliás, não vem a propósito. Nem esta: Llueve sobre Santiago  (dedicada a Salvador Allende, assassinado em 1973).


terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Mad rush serra abaixo para depois entrar em águas mais calmas

pelo estradão do lado de Cacilhas que atravessa parte do belo souto, nesta altura com os carvalhos e os castanheiros com os ramos nus.
A GoPro vai presa ao capacete e é uma grande angular; apanha p'raí um ângulo de 140 graus e, portanto, deforma um pouco a paisagem (a imagem, sobretudo ao centro, fica mais afastada do que na realidade está e as extremidades surgem arredondadas, como que em meia-lua). Na realidade, a olho nu, não conseguimos ver focado todo o ângulo que a GoPro regista. Na realidade, a olho nu, a sensação é a de que tudo está mais próximo. Na realidade, a olho nu, conseguimos também ver de modo mais gradual as variações de luz, as gradações entre claro e escuro que a GoPro não regista.
Mas fica o flavour.

Fiz o registo de quase toda a descida (cerca de 40 minutos). Estes são apenas 12 min de parte da descida entre os 850 e os 600 m de altitude, aproximadamente. A primeira part em mad rush para depois, mais lentamente (onde parece plano por vezes é a subir - ah pois é que para descer às vezes é preciso subir), navegar através do souto, perscrutando o horizonte que se adivinha para lá das árvores. Mas serão 12 minutos irreversíveis. Os incautos que, como eu, vejam o videozinho de fio a pavio terão usado 12 minutos da sua vida que não poderão reaver nem utilizar em qualquer outra actividade. Lost. Definitivamente lost. Em todo o caso, talvez o videozinho faça soprar um brisa fria na mente, refrescando os neurónios, abrindo a imaginação e a curiosidade para paisagens e aromas novos.


E  talvez 13 min de Philip Glass, Mad Rush, ajudem (e, por outro lado, abafam alguns impropérios que, inadvertidamente, vou soltando da boca p'ra fora face a pequenos contratempos).


sábado, 4 de janeiro de 2020

Altitudes, what else para começar nova volta ao Sol

1 de Janeiro de 2020

Céu limpo, vento fraco de quadrante do lado da serra, temperatura baixa (aquele friozinho que corta as orelhas) e está mesmo bom para começar 2020 em altitude.
Por um lado isto, por outro aquilo, o melhor é pôr-me a caminho da Torre - concluiu o ciclista extraordinário depois de ponderadamente (durante cerca de 2 segundos) ter avaliado a exigência da subida em função das poucas horas de sono e de outras variáveis da época, nomeadamente as que se reflectem na glicémia, na lipidémia, na colesterolémia e na alcoolémia, entre outras "émias".

E foi. Quer dizer, o ciclista extraordinário pôs-se a pedalar serra acima. Na casa do guarda, ao início da subida, passado o pelourinho e saído da cidade por rampas do caraças, logo uns km acima surge a casa do guarda onde jorra a bela fonte.  Cantil cheio e talvez só na fonte da Nave de St. António, já acima dos 1600 m, o cantil se encha novamente.


Um pouco mais de azul, ou seja, um pouco mais de altitude e o avistamento da serra da Gardunha no horizonte, como uma ilha no mar de neblina, lembra o ciclista extraordinário que já ganhara uns metros, mas apenas alguns dos muitos que havia pela frente.



As primeiras voltas ao Sol que o ciclista extraordinário deu na sua vida, na infância, foram realizadas neste vale do Planeta Terra. 


Nessa altura, o ciclista extraordinário (que não o era ainda), tal como todas as outras pessoas, estava bem integrado na Biosfera, em sinergia com os outros seres vivos. Havia os animais (galinhas, coelhos, porcos) que se tratavam e se comiam, as plantas que se plantavam e comiam e as sobras dos animais (incluindo as nossas) que eram usados para fertilizar a terra. Não havia plásticos mas cartuchos de papel que se usavam para comprar 250 g de arroz, de açúcar ou de café. Na altura do frio e na altura do calor tinha-se frio e calor, respectivamente. Os ciclos circadianos de cada um estava em fase com o clima.  E isto era importante. O frio atenuava-se à fogueira e nos dias de calor procurava-se a sombra ou um riacho. As células respondiam ao stresse, activando mecanismos de adaptação. Hoje vivemos em normotermia, quase sempre à mesma temperatura (ar condicionado todo o ano, 22 mais ou menos 2 graus e já está). O ciclista extraordinário não quer com isto pintar uma visão idílica do passado rude e rural - as dificuldades e miséria de tantos, a falta de acesso a cuidados de saúde e à educação, as consciências amansadas por ritos e cerimónias, nada se questionava, e por aí fora, tornavam a vida simplista, rotineira, desinteressante sem se saber ... - quer apenas ilustrar um conceito que muita gente ainda não percebeu; é que fazemos parte da biosfera com a qual estamos em  equilíbrio dinâmico e, logo, o que fazemos induz perturbações no sistema. E estas perturbações têm implicações de natureza caótica, com alcance global (clima, repercussões retroactivas na nossa saúde e etc).

Ah, as pedaladas em altitude!

O Quinta da Pacheca tinto com 14% administrado por via oral durante o estágio da noite/madrugada anterior não se revelou eficaz em produzir o "burst" que o ciclista extraordinário precisava para os últimos 400 m em altitude (dos 1600 dos Piornos aos 2000 na Torre). À medida que se aproximava dos Cântaros, e ainda antes do túnel, o ciclista extraordinário concluiu que a dose talvez tenha sido excessiva e o efeito estaria fora da janela terapêutica. Mas c'est la vie e vamos pedalando que se faz tarde, daqui a pouco o Sol baixa e o frio vai ser do caraças, to say de least.
Por sorte, houve uns momentos adrenalínicos que auxiliaram as pedaladas ascendentes. Feriado, Sol, farrapos de neve no cimo da serra, logo ... milhões de carros serra acima. Alguns passavam tangentes ao ciclista extraordinário, dando-lhe  oportunidade de tecer considerações tabernáculas aos berros  e de punho levantado sobre a vida sexual do/a parceiro/a do condutor, bem como da respectiva mãe. Por vezes, sobretudo no caso de condutores machos, elaborava também sobre a fisionomia da zona frontal do crânio e a eventualidade da existência de apêndices pontiagudos que são vulgares em cervídeos. Nestas alturas a adrenalina escorria para o sangue e o ciclista extraordinário sentia claramente um kick off que auxiliava a subida.


Ganha-se altitude, abrem-se os horizontes o coração acelera um bocadinho, a luz do Sol fica mais limpa, o ar mais fino (as pernas mais pesadas não entram no relato) e a sensação de estar a transitar para uma órbita mais exterior fica mais nítida


À chegada é sempre a mesma coisa: olha já está! já não há mais caminho para subir!



E, commme d'habitude, na Torre, vou para o lado Oeste, para o lado das lonjuras, da cadeia montanhosa Estrela-Açor-Lousã. Os amarelos e laranjas prenunciavam o final de tarde



Os amarelos, os laranjas e ... os azuis. Os azuis do Açor, do imenso Açor



A bike, o instrumento de liberdade, o que quer que isto signifique.


Uns farrapitos de neve aqui e ali atraíam as centenas de pessoas no planalto do Cântaro Raso. O Sol baixava e o ciclista extraordinário agasalhou-se, apertou o blusão, enfiou o gorro até às orelhas, enrolou o lenço ao pescoço, tapando a boca e o nariz, respirou fundo e ... vamos lá então, a descida é longa e talvez haja luz para descer pelo lado de Unhais. Quando a sombra se instala nas encostas da serra àquela altitude, sente-se o frio que vem da terra. Mas o ciclista extraordinário estava a par do assunto. Desceu até ao topo do Covão do Ferro, no início do magnífico vale que dali desce pelo lado oposto ao outro magnífico, o vale Glaciário do Zêzere.
O sol vai baixo, se vou por ali às tantas a noite apanha-me antes da chegada a casa, ainda me tento a apanhar um caminho de terra e me perco, tornando as coisas piores, a porra do telemóvel quase sem bateria e depois querem saber onde estou e nada, às tantas tenho mesmo que ir pela estrada nacional - estas ideias bailavam na cabeça do ciclista extraordinário  que entretanto, ficara por ali muito tempo a olhar e a respirar o ar fino ... e o tempo a passar.







Dali, o ciclista extraordinário seguiu pela estrada nacional.