Maio 2018
Maio outonal. Quando atravessei a floresta aos 800 m de altitude, a grande floresta de coníferas, a temperatura rondava os 10-12°C e não via para além de meia dúzia de árvores à frente do nariz. A neblina, a luz coada, o silêncio cortado por cantos de aves, por bater de asas e, de vez em quando, por cascos que batiam no chão. O sentido principal para perceber o que se passava à minha volta não era a visão, mas a audição e o olfacto. Por vezes sentia o cheiro orgânico dos animais que por ali andavam mas que não via. Ouvia. Uns galhos quebrados, uns sons cavos sem eco.
Um dia branco. Na subida percebi que a neblina pousava sobre as copas logo aos 500 m de altitude, recortando os perfis das árvores magníficas contra o céu branco.
Mais um pouco e cheguei lá. Cheguei húmido, ofegante. A neblina condensava na roupa e na cara. Suado. As pedaladas têm que ser dadas com convicção, em bom ritmo. Ir por ali acima como quem vai numa corrida nem pensar, mas feito um ponhónhó também não. Depois, parei e, como já tinha experimentado outras vezes, é-se esmagado pelo silêncio, pela sensação de irrealidade.
Os caminhos ainda com as poças de águas das tempestades dos últimos dias. Belíssimos.
Mil fotografias não contariam a beleza da floresta neblínica.
E eu, furtivo, por ali fora a pedalar como quem veleja no mar alto, sinto-me em casa.
Subi mais um pouco. Aos mil metros, meti-me por um carreiro que serpenteia por uma mata de pinheiros alpinos.
O chão pejado das pinhas pequenas (pouco maiores que nozes) e intensamente perfumadas.
De vez em quando, sob os pinheiros, há uns carvalhos.
E ... blue is the warmest color.
Naquele lusco-fusco azul, de meus anos colhendo doce fruito num engano de alma ledo e cego, lembrei-me que a cadela estava em casa sozinha à minha espera. Cheguei num instante; foi só o tempo de pôr um lenço na cabeça por baixo do capacete, olhar à vota, respirar fundo, apanhar duas pinhas, espreitar para longe na expectativa de ver algum veado que por ali andasse, ajeitar os óculos, sacudir as gotas de água que caídas das árvores cobriam a roupa, encaixar os sapatos nos pedais e voar serra abaixo durante 20 km.
Que fotos maravilhosas João. Que sorte estares tão perto desses lugares maravilhosos :)
ResponderEliminarPois é, tenho sorte em viver por aqui. Eu deslumbro-me com o que vejo mas é preciso olhar.
EliminarFotografias de cortar a respiração! Mas o João tem razão, é preciso saber olhar e ter arte para captar a magia do momento.
ResponderEliminarSó posso estar grata por partilhar estas maravilhas com quem passa aqui no blog.
Maria
Maria, só agora vi o comentário. Obrigado. A floresta neblínica fica misteriosa; vou com os sentidos à flor da pele quando por ali pedalo, esperando a todo o momento um encontro imediato com veados ou javalis.
EliminarJoão
João, desculpe só agora vi a resposta. Obrigada.
EliminarE chatinha que sou, deixo aqui mais uma pegada (sorry!).
É que gostei tanto de voltar a ver estas fotografias, estão tão bonitas.
Foi um dia especial, penso eu.
E ainda teria sido mais especial se tivesse aparecido um veado, ou dois, ou três...
Maria
Maria, eu só tenho que lhe agradecer os comentários. Sim, há dias em que, passando em locais que conheço bem, parecem novos e quase irreais.
EliminarJoão