quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Mist covered mountain ou o dia tem que começar de alguma maneira

Janeiro 2019
Serra da Lousã



Mist Covered Mountains of Home is a Scottish air composed by John Cameron in 1856. Cameron wrote this in memory of the mountains surrounding his home in Ballachulish, Glencoe (Allan Ferguson)


A aldeia do Talasnal recortada contra o céu branco, quase apagada da paisagem pela neblina que ora subia ora andava por ali às voltas ao sabor do vento, foi o motivo para a primeira paragem. Pela encostas acima, até à aldeia, os castanheiros misturados com carvalhos fazem uma cobertura que já não é vulgar. Foi-o há centenas de anos. A encosta íngreme torna difícil o acesso mas ali está, uma cobertura vegetal que talvez se possa chamar uma relíquia do passado, um fóssil vivo.

Passa despercebida a olhos inexperientes. Inexperientes nas serranias, quero eu dizer.




Tal como os líquenes.


Quero dizer, também os líquenes passam despercebidos e, aparentemente, cobrem uma boa parte da superfície terrestre, incluindo os ambientes mais hostis (Antártida e outros locais com condições extremas), está coberta por estes ecossistemas, que é o que eles são, minúsculos ecossistemas em simbiose auto-sustentáveis e duradouros, constituídos por algas, fungos e bactérias diversos. São um bom exemplo da designada "life on the edge". Alguns com milhares de anos e, aliás, há teorias que sustentam que não envelhecem. Nas pedras, nas árvores, mesmo debaixo do nosso nariz, discretos e magníficos são quase invisíveis. Talvez por serem tão comuns e tão largamente distribuídos habituamo-nos a vê-los e o cérebro fica dessensibilizado, passando assim despercebidos. Como os aromas que deixamos de sentir depois de a eles expostos repetidamente. E muitas outras coisas.
E, voltando um pouco atrás, há uns líquenes amarelo-esverdeados que contêm uma substância alucinogénica. Ora, nas montanhas do Norte do continente Americano vivem uns carneiros selvagens com uns cornos magníficos, o Big Horn (talvez o muflão) que se refugia nas escarpas rochosas para fugir a predadores. Andam por ali nas escarpas à beira do precipício; um passo em falso e é morte certa, estatelados no chão centenas de metros mais abaixo. Estes carneiros gostam, procuram, são viciados nos líquenes amarelo-esverdeados, ficando portanto "pedrados". Aparentemente buscam mesmo a "pedra". Mas, andar pedrado pelas escarpas não é boa ideia. Muitos deles dão o passo em falso.


Provavelmente, quando Bartolomeu Dias passou ao largo do cabo (para si) das Tormentas, já este castanheiro teria dois palmos de altura. Desde então, tem estado por ali; as árvores movem-se mas apenas com o movimento do solo. Chuva, Sol, o terramoto de 1755, Galileu nasceu e morreu, o mesmo para Bach, Newton e Pessoa e ele ali. Passadas estas centenas de anos, fotografei-o e está na net ! Se calhar agora é que é (quase) imortal. Embora, esteja convencido, que o problema do registo digital não é a perenidade física dos suportes mas outra coisa: à falta de ideia mais elaborada (fica para um dia destes) direi que é a "diluição" em mares de informação que tendem para o infinito, uma gota de água no oceano (bem sei que a gota pode ter um registo e que pode ser buscada especificamente mas é preciso a acção de a ir buscar e aí estamos de novo sujeitos ao princípio da diluição).


Caibo dentro do tronco. Eu e mais alguns. De pé e em várias camadas. E apesar de aparentemente morto dele rebentaram hastes que se transformaram em troncos grossos e ... cobertos de líquenes.


E, por falar em Bartolomeu Dias, fiz-me ao caminho, dobrando curva após curva. Aventurando-me por neblinas desconhecidas (!!!???!!???). A neblina, apesar de intensa, tinha uma certa dinâmica. Às vezes adensava-se outras clareava um pouco.





A estrada levou-me ao Candal. Um Candal "misty" De novo, o olhar leva-nos às casas lá em baixo e ao ribeiro, ignorando os líquenes em primeiro plano.





Tinha o tempo contado e chegar ao Candal já estava para além da expectativa inicial mas, utilizando uma lógica Cartesiana de aplicação eficaz nestas situações, pensei: já que estou aqui vou um pouco até mais acima. Depois mais um pouco e só mais um bocadinho ... e só parei no mist covered riacho



Estava na hora de keep on moving, ou melhor on the movie.



E já que tinha chegado até ali ...




Sigo a assobiar o que Mark Knofler faz magistralmente na guitarra (sem grande êxito pois nem um canto de ave, um grasnar, um bramido respondeu aos meus assobios). A montanha cobrira-se de neblina e de silêncio; os silvos que me saiam dos lábios morriam logo ali, à distância (curta, muito curta) do olhar.




11 comentários:

  1. Olá João,

    Mas que boa surpresa!
    Há sempre uma mist covered mountain desconhecida que espera por nós, não é verdade?
    E esta é magnífica, dá mesmo vontade de ir já para a Escócia...
    E depois há um mist covered riacho (tão lindo), e umas fotografias belíssimas (quando for grande quero tirar fotografias assim), e uma ribeira a cantar...
    Para sobremesa temos the old Mark Knopfler numa versão mágica deste tema que me leva novamente a descer o vale glaciar para Manteigas, e também à Lousã Mountain.

    Depois de 2 dias muito negros (e quem sabe se o mais negro de todos não virá a caminho...), foi um bálsamo ler/ver/ouvir tudo isto.
    God bless you!
    Maria

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    1. Maria,
      obrigado pelo comentário. São sempre uma boa surpresa!
      Pois é, tantas montanhas e tão pouco tempo!
      Espero que tudo corra pelo melhor.
      João

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  2. João, estive a ver várias versões e compreendo a dificuldade que deve ter tido em escolher uma.
    Harpa, Gaitas de Foles, Guitarra Acústica, Mandolin (espécie de Bouzouki?), até encontrei uma versão com um Jazzístico Sax lá pelo meio... mas não era o Aaron MacDonald ;)
    But you did well, you always do...
    And it had to be a John C. a compor esta maravilha ;)
    Lembrei-mem muito do Local Hero, um filme fantástico, muito ecológico e actual, um hino de amor à Escócia mas também à preservação deste nosso Pale Blue Dot.
    Um belo fds
    Maria

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    1. Mais um excelente filme que falhei: Local Hero.
      A gaita de foles sempre me fascinou. Produzem um som nostálgico mas vívido (isto não existe mas fica a ideia). Não fossem tão caras e já teria comprado uma. A versão que postei agradou-me logo desde o início com a entrada de piano seguida das gaitas. A versão jazzística não encontrei.
      João

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  3. João, é só googlar the mist covered mountains of home Carlos Omaral.
    Aparece com o título "chì mi na mòrbheanna" e a data 09/08/2016.
    Ao minuto 2,10 aparece o sax.
    Acho que vai gostar.
    Enjoy it!
    Maria

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    1. É curioso Maria, comecei ouvir e, às tantas, comecei a desconfiar que aquilo fosse um sax. Acho que é um "sampler" tocado em teclas a imitar o som de sax ou então um tipo de gaita com um som semelhante ao sax.

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  4. Olá João, a mim (que não sou pro) pareceu-me um piano e um sax, lá pelo meio, mas que sei eu de música?
    Nada, a não ser ouvi-la...
    Sorry!
    :)
    Maria

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    1. Mas eu posso estar redondamente enganado. Também não tem qualquer importância, a música é bonita.

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  5. Ainda falando de gaitas, o Xosé Manuel Budiño é galego (e agora já não é parecido com o Tony C da Barragem ;)
    Toca gaita galega, tal como o Carlos Nuñez (que eu já conhecia bem).
    O José Ángel Hevia é das Astúrias e toca mostly gaita asturiana.
    Mas seja que gaita for o som é sempre fantástico.
    Boa semana, João.
    :-)
    Maria

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    1. A Maria tem um conhecimento musical enciclopédico!. Apesar de já ter ouvido alguma coisa, vou prestar mais atenção à música de gaitas da Galiza e das Astúrias. Obrigado.
      João

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    2. Ora João, isto é só de ouvir os CD e espreitar o Google :)
      Por acaso o Tony Budiño tem um tema lindo (Marcha de Breixo) que é tocado com Gaita Irlandesa, Guitarra e Violino.
      Na net estão alguns vídeos interessantes com o Carlos Nuñez, talvez o mais conhecido internacionalmente.
      Maria

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