segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Plano simples: Gondramaz and beyond

Julho 2019


Os primeiros Km foram feitos pela linha de caminho de ferro desactivada. Um crime que foi cometido contra as populações desta zona: retiraram carris, solipas, ...  tudo na perspectiva da electrificação da linha. Depois deu bronca, desacordos, autarcas a puxar cada um para seu lado, não houve o amén político e ficou apenas o caminho por onde passava o comboio. Um instante a dúzia ou coisa assim de km até Miranda do Corvo. Dali, do vale, avistavam-se as encostas pelas quais teria que pedalar, serra acima, até ao Gongramaz. Era cedo e o Sol dissipava as últimas neblinas que cobriram a serrania durante a madrugada. Sabe bem olhar para cima, para a serra, ver as neblínicas encostas que me esperam, antecipar o esforço, a sombra de belos e frondosos castanheiros - há anos que por ali não subo mas resiste a vaga memória de belos e frondosos castanheiros - as curvas inclinadíssimas, quase paredes, o ritmo, o ritmo é fundamental, a visão do vale cá em baixo que vai ficando mais longe, mais baixo, a brisa que vai soprar, o suor nos olhos ... mas, por ora, estava no vale.



Nada que enganar; virar à direita, primeiro o Cadaixo e logo a seguir Gondramaz


Algumas hortas, numa delas ...  uma nora ainda funcional (couvinhas regadas pela manhã com a água do poço), curva para aqui, cortada para ali e a subida aí estava.





Dos 150 aos 650 m de altitude não foi um pulo. Já na encosta encontrei este "equipamento" (as autarquias e as juntas de freguesia usam este termo modernaço para se referir às obras que fazem para usufruto público): um miradouro. Plataforma de madeira, corrimões de metal e madeira ... uma bela vista sobre o vale que tinha percorrido na hora anterior.


And the climb must go on


A estrada empinou acima dos 10 % de inclinação inibindo as paragens para fotografias. Subidas doc atano com paragens meio não é uma boa ideia; perde-se o ritmo e a coisa começa a ficar penosa. Há que encontrar o "path" que nos eleva, os pensamentos que apagam o tempo, a paisagem da memória que nos empurra serra acima, o ânimo que nos leva em direcção ao azul.


Às tantas, numa curva do caminho - quase sempre as surpresas surgem numa curva do caminho: o Gondramaz.



Chegado. Metade do plano cumprido. Faltava beyond.






O beyond começou à saída. Quer dizer, à saída para cima, para a serra, para o cume, pelo caminho empedrado por entre carvalhos e castanheiros. O Sol aberto viria depois.


E, para abreviar a história, seguiram-se pedaladas duras por ali acima: Sol intenso, terra e pó, calor, moscas (uma das regras centrais do BTT é pedalar a uma velocidade superior aquela a que as moscas voam pois, de outro modo, está-se mesmo a ver o filme) ...

O Gondramaz ficava para trás, quer dizer para baixo, ali à meia encosta; via apenas os telhados cor de laranja ao Sol na mancha verde à volta. Lá mais ao fundo o vale que tinha percorrido horas atrás.




Como quase sempre são horas a pedalar pelas serranias sem ver ninguém. Dos apoiados em quatro patas também não vi mas pressenti-os. Hora de calor, Sol e terreno aberto não são as melhores condições para ver os belos veados e javalis. Nalguma subidas junto à mata senti o odor intenso.

A cumeada ali à frente. Sabia que logo ali à frente, mal terminasse o caminho por entre os pinheiros, se abririam as vistas para Sul.


Sabia mas era como se não soubesse pois me surpreendo sempre. Uma última visto de olhos par trás, para Norte


e, logo depois, após ter passado a pequena mata, as vistas para o outro lado da serra, para Sul.


As pedaladas seguintes levaram-me ao longo da cumeada, ali aos 800 m de latitude; lonjuras de um lado e do outro, Sul e Norte, brisa moderada e é assim que eu gosto de pedalar.

Depois de subir havia que descer. Já tinha marchado a banana e uma porcaria de uma barra. Estava esfomeado, tinha ainda outra barra mas que se lixe, não vou comer esta merdelhice a não ser que me dê um badagaio. Além disso tinha a minha teoria do modelo de jejum. Como é sabido, o jejum (pode ser o jejum intermitente para o qual há já evidências científicas fortes) controlado tem efeitos benéficos para a saúde (promove a autofagia, induz reprogramação metabólica ... mas isto é outra história). Ora, pedalar em esforço durante umas horas sem ingestão de comida simula o jejum de pelo menos um dia em circunstâncias normais. Uma teoria simples mas provavelmente correcta. Quando chegar a casa logo como - decidi. E, nestas coisas, não há nada como tomar uma decisão. Evitam-se chatices, dúvidas, pensamentos libidinosos (por assim dizer) sobre a barra que levamos no bolso de trás e que nos aconchegaria o estômago e etc. Por outro lado, deve salientar-se que a circunstância de ir a descer em alta velocidade por entre árvores e pedras ajuda a esquecer a vontade de comer, sobrepondo-se a vontade de chegar numa peça só.





Não me enchendo a barriga, os odores cédricos intensos na floresta enchiam-me o cérebro.


A altitude atenuou-se rapidamente. Quase a chegar ao vale, numa curva, (é nas curvas do caminho que ...) senti um odor intenso. Veados? Aqui junto casa e à luz do dia não pode ser !





É interessante a harmonia das formas e dos movimentos nos animais.  Se decompostas em traços provavelmente sairiam gatafunhos grotescos mas, em conjunto, completam uma bela visão.

4 comentários:

  1. João, e como é lindo o Gondramaz, ali a seguir à curva. Já tinha ficado com uma ideia da beleza da aldeia quando nos mostrou a raposinha a comer pão da outra vez (desta vez não a viu por lá, I presume).
    Também gostei do "equipamento", um miradouro dá sempre jeito para fotografar a senhora dona bike :)
    Fotografias belíssimas comme d'habitude.
    E palavras óptimas como incentivo para o início de uma dieta a sério, diria eu, miss 🐳 ;)
    Quanto às cabrinhas (sapadoras?) reparei que algumas resistiram ao seu charme, ou seja, não posaran para si: imperdoável!

    🐋
    Maria

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    1. Dear Maria,
      Tanques for the comments.
      O Gondramaz tem agora um "equipamento" para alojamento (uma das fotografia mostra o pátio). Da aldeia para cima dá para fazer belas caminhadas.
      É interessante notar que as cabras mais curiosas foram as mais novas. As outras já deveriam ter visto ciclistas !
      João

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    2. Dear John,

      Lembra-se desta série? Se calhar não é do seu tempo, mas
      tenho ideia que era muito divertida :)

      Mas, dizia eu, esse novo "equipamento" captou logo a minha atenção, obviously.
      Também achei linda aquela fotografia com o chão atapetado de fetos (penso que são fetos).
      Ainda me lembro de ver muitos burros a andar à nora, hei-de ver se encontro alguma por aí, certamente desactivada e oxidada.

      Vi agora o Açor na tv, pelas piores razões: Fogo.


      Maria

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  2. Como já aqui disse anteriormente fiquei fã de Gondramaz quando um dia andei a pedalar por lá e ainda não perdi a esperança de lá voltar. É fantástico. Pedalar em grande esforço esgota as energias rapidamente e se não comemos parece que "levamos com a marreta" Eu nunca tenho fome enquanto ando a pedar mas obrigam-me sempre a comer para não perder a força. Como consegue fazer esse jejum? Pena não terem aparecido os veados, que são lindos e imponentes :)

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