Janeiro 2021
No dia anterior, o dia do último post, as pedaladas foram à neve, sob a neve. No dia seguinte, o dia deste post, as pedaladas são sobre a neve e sob céu azul, Bem, azul ao início, no vale, mas plúmbeo acima dos mil metros.
Tve que seleccionar criteriosamente os sítios para parar, encostar a bike e disparar as fotografias. Durante a subida, quando, na berma da estrada, a erva e arbustos começaram a surgir cobertos de uma fina camada branca e as estalactites de gelo nas pedras, a vontade era grande. Não é apenas o problema da bateria do telemóvel que esvazia em poucos minutos ao frio. É também tirar as luvas. As luvas não podem ser volumosas, impediriam o manuseamento fino da bike (travões, mudanças etc). As minhas têm um forro em Merino e uma capa exterior windstopper. O risco é que, uma vez tiradas, o forro saia e, com as mãos geladas e insensíveis, a probabilidade de as tornar a calçar ficar próxima de zero. Tão mais próxima quanto mais tempo as demorar a calçar.
A primeira paragem foi num bosque branco e fractal. E, antes que o telemóvel desmaiasse, disparei duas vezes. Mais além e mais aquém. Clic, clic. Pelo menos duas já estavam. Numa volta anterior, consegui apenas um disparo. Tinha o dobro.
Mal regressei à estrada: outra. Clic. Estava à espera que a todo o momento surgisse a mensagem irritante: low batery. Ou pior que isso; estar para ali entusiasmado a focar isto ou aquilo e, às tantas, meio segundo antes de disparar, o ecrã ficar subitamente escuro com a bateria a zero e a florzinha de estufa desligada.
Lá tive que tirar outra vez as luvas e fazer a ginástica habitual para as calçar de novo.
Vamos dosear isto pá. Não podes estar sempre a parar. Pois, mas quanto mais tempo ao frio, maior a probabilidade do telemóvel pifar, tenho que ir fazendo uns disparos. Põe essa merda num sítio quente pá. Olha, junto aos coisos. Entre as pernas? entre as pernas não dá pra pedalar e, além disso, tenho que o guardar num sítio de fácil acesso, em que o consiga tirar sem me desagasalhar.
A discussão entre o meu hemisfério esquerdo e o direito continuou por algum tempo até que, juntando-os a ambos, em apenas um cérebro, cheguei a uma resolução:
no bolso interior da "intermediate layer" (pois, é que o equipamento é cuidadosamente seleccionado e há linguagem técnica que é difícil traduzir para a língua dos treinadores de futebol tugas) é o melhor sítio; há apenas um ligeiro arrefecimento das nádegas, um friozinho que se insinua por ali adentro mas localizado, quando se levanta a parte de trás do blusão para ter acesso ao bolso interior da intermediate layer (que, no caso, e já que falei novamente disto, era uma camisola de mangas compridas em lã merino e tecnologicamente desenhada de modo a expulsar o suor da pele - e que custa os olhos da cara).
Na EN236, os pneus derrapavam. Meti-me por uma caminho de terra, quero dizer, de neve. Os pés é um dos maiores problemas. Sempre com cuidado para evitar pôr o pé na neve. A neve infiltra-se lentamente, ensopa e suga rapidamente o calor dos pés, deixando-os aos gritos.
Clic, clic, clic, clic, ...
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