quinta-feira, 30 de junho de 2022

O vento não sopra lá fora

 Primavera de 2022

Durante as pedaladas pelas serranias o vento não sopra lá fora. Sopra na pele como sopra nas folhas das árvores. Trepando a uma árvore em dias de ventania ("desporto"a que o ciclista extraordinário se dedicava há mil anos atrás - há lá coisa mais interessante para fazer numa manhã de ventania forte do que estar a 15 m do chão, abraçado a um salgueiro que oscila ao vento !), agarrado a um galho na árvore oscilante, o vento não sopra lá fora. O mesmo na bike. Mas estas coisas só praticando.

O ciclista extraordinário pedala à bolina contra o vento. Aprendeu com Bartolomeu Dias: profere umas expressões tabernáculas, insultando a mãe que pariu o vento, por exemplo, cerra os dentes, desfralda as velas e mantém o rumo. Quer dizer, isto é o ciclista extraordinário a imaginar o Bartolomeu Dias a caminho do cabo da boa esperança, das tormentas para ele. O Bartolomeu, à segunda vez, na frota do Cabral, enquanto este virou pra Oeste a caminho de terras de Vera Cruz, o Dias disse-lhe adeus e virou para Este, mas ficou lá, não dobrou o cabo que para ele foi das tormentas e não tanto de esperança.

Ora, voltando à serranias da Beira, como qualquer vento que se preze, o vento do Sul soprava forte. Como é sabido o vento nasce dos vários pontos cardeais e daí toma o nome. Pois claro, então a rosa-dos-ventos é o quê? A rosa neste contexto é o que menos interessa. Poderia substituir-se "rosa" por "roda".

Aos 700m, a zona em que a serra é devassada com a substituição dos pinheiros bravos por eucaliptos, a ventania instalou-se, naturalmente. Pedalar neste turbilhão com um sorriso na cara é um estado que demora algum tempo a aprender.


Isto aos 700m, aos 1200m com o cenário composto pelo planalto da estrela na linha do horizonte e o picoto da Cebola (o cone perfeito, o adamastor da serra do Açor) a servir de "partner" (lido à portuguesa como partenér) o ar piava mais fino, menos ruidoso mas mais infiltrante pela pele adentro.



De alguma maneira, uma maneira que o ciclista extraordinário não percebia muito bem, o vento dissipava os pontos cardeais. Seguindo uma das regras fundamentais das pedaladas em montanha, se queres voltar ao vale talvez seja boa ideia começares a descer, o ciclista extraordinário fitou o vale lá em baixo e pedalou serra abaixo. O vento ia sossegando. Por alturas da fonte espinho, na floresta cruzada por riachos belos, limitados por pedras cobertas de musgo, o ciclista extraordinário puxou mais uma vez pelo telemóvel para fazer mais um videozinho. O marulhar das folhas das bétulas sob o vento que se tinha transformado em brisa e num cenário sonoro marcado pela água que corria nos riachos.



Outro, mas com adeus no fim.






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