Aos mil metros, sob nevoeiro empurrado a vento, o estradão que acompanha a cumeada sobre o vale do rio Ceira debruçava-se num abismo branco. Aqui mil, lá em baixo, onde corre o rio, quatrocentos. Na outra encosta, a que tinha subido, a barragem de Sta. Luzia aos seiscentos e tal metros. Dali, da cumeada, em dias soalheiros o olhar espraia-se até ao horizonte redondo da circunferência da Terra, tão longe a vista alcança.
Em dias brancos, no turbilhão do vento que bate sem direção definida, o horizonte é logo ali, nos dois palmos à frente do nariz que o nevoeiro fecha, e ando por ali a pedalar introspectivamente. As paisagens são as que o cérebro inventa.
Há aspectos invulgares (quer dizer, para leigos) nas pedaladas. Sobretudo nas pedaladas pelas serranias. Na bike, movemo-nos, viajamos, andamos por aqui e por ali, às vezes passando no mesmo local mas vindo de outra direcção. Parece vulgar! Mas há uma dimensão do movimento menos óbvia; viajamos na vertical. De carro andamos de um lado para ou outro, para cima e para baixo mas a dimensão que marca é a horizontal. Vamos daqui para ali. Subimos e descemos mas vamos de um sítio para outro. De bike subimos a um cume a partir do rio cujas margens percorremos, o mesmo vale, o mesmo rio, descemos ao vale do cume onde estivemos e subimos à cumeada da encosta que percorremos ... Subir e descer é uma dinâmica intrínseca às pedaladas, um aspecto marcante da "viagem". E isto, parecendo uma Lapalissada, sobretudo para leigos, não é - então pois claro, é preciso dar às pernas, fazer esforço, puxar a carroça, de carro isso não se sente, qual é a novidade? Dirão. Não é o esforço da subida ou a adrenalina da descida; é a viagem a subir e a descer, o clima que muda, o chão que muda, o ar que muda, ... De bike não se pára para ver as vistas, faz-se parte da paisagem.
Aos mil fiz o videozinho ali em cima. Aos 600, junto à barragem de Sta. Luzia era assim. O espelho de água.
Partindo dos 600 tinha viajado hora e meia para chegar aos mil, afastando-me na horizontal uns meros três ou quatro quilómetros.
À medida que subia, as encostas por onde cavalgou o fogo em Outubro último, outrora verdes, davam-me a impressão de estar subir uma cratera em Marte
Esta e a outra e assim sucessivamente. Tirando uns pinhais aqui e ali que foram poupados ao fogo, os montes estão nus.
Contornei o vale em anfiteatro e, do outro lado, apontei o telemóvel para este local onde agora estou e disparei.
Terei que passar de novo além, subindo ao monte do meio, o que toca as nuvens, para descer o que subi para lá chegar e voltar para casa.
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