Serra da Lousã
(Fevereiro 2018)
Já aqui falei da extraordinária epopeia das lagartas do pinheiro.
Durante o Inverno constroem um casulo (parece uma bola de algodão doce) nos ramos altos do pinheiros, saindo apenas para se alimentar das folhas dos pinheiros. Quando o tempo aquece, saem do casulo, descem o tronco do pinheiro e, em procissão, tocando-se umas às outras, procuram no solo um lugar onde se enterrar. Aí ficam, enterradas, até se diferenciarem em borboletas. Extraordinário: entram a rastejar como lagartas e saem a esvoaçar como borboletas. Num passe de magia alguns dos seus genes foram desligados, outros foram ligados e um outro ser surgiu da nova colecção de genes activos. As borboletas voam para os pinheiros fazendo um casulo e fechando o ciclo.
Em Fevereiro, a estrada da serra é atravessada por centenas de procissões de lagartas. Evito sempre passar com a roda da bike por cima porque são extremamente alergénicas.
Ia por ali a pedalar e vejo estas:
Escolheram o sítio errada à hora certa para se enterrarem; à beira da estrada numa camada de terra com apenas un poucos centímetro. Escavaram até ao alcatrão e ali ficaram, às voltas a tentar escavar mais. O seu mundo é esse. O meu é outro. Eu percebo que ali não vão a lugar nenhum porque atingiram o alcatrão e não o conseguem furar. Para mim elas estão no seu mundo fechado. Esta ideia, óbvia para mim, não está ao alcance do cérebro das lagartas.
Isto leva apensar que o cérebro humano tem limitações que não lhe permitem entender aspectos da realidade/natureza. Que há perguntas cuja resposta está para além do intelecto humano. Que evoluiremos, sim, e que usaremos computação integrada com o nosso organismo mas a lagartas do pinheiro poderão nunca perceber que furar o alcatrão não é a melhor estratégia para fazer o ninho. Porque não colocar ,esta hipótese a nós, o homo sapiens? Já hoje, o mundo quântico é um território mental estranho, to say the least. Entre nós e o chimpanzé o genoma difere em menos que 2%. Não há uma sistema biológico no chimpanzé que não partilhemos, não há uma substância química no nosso cérebro que não possa ser encontrado no cérebro de um chimpanzé. E, no entanto, o teorema de Pitágoras, é inacessível ao cérebro do chimpanzé. Há um universo que lhes esta interdito ao entendimento. Portanto, a mesma ideia se deve aplicar ao nosso.
Com a Evolução, provavelmente adquiriremos novas capacidades. Novas descobertas estimulam novos entendimentos, abrem-nos janelas para novos horizontes. Provavelmente, a maior revolução nas nossas cabeças, as janelas que mais horizontes deixaram entrar na mente humana foram as que nos permitiram passar de um mundo fechado, finito, orquestrado por deuses e mitos, ordenado, hierárquico, para um universo infinito. O espaço, o tempo, ideias novas na cabeça de alguns, desde os Gregos até Giordano Bruno, ele um frade treinado no mundo fechado. A primeira vez que fui a Roma quis ir logo ver a praça com a estátua do Giordano Bruno. Na cabeça da maioria dos seus contemporâneos passava a vidinha do dia-a-dia, na dele a infinitude do espaço (e do tempo).
E lá vai a procissão das lagartas. Aos 23 segundos, a procissão segue ao som da Mater dolorosa tocada em assobio. Quanto, há muitos anos, tocava na banda filarmónica, as marchas de procissão, sendo eu não crente, deixavam-me compungido. Em particular a Mater dolorosa. Tocava aquela música (não me lembro do autor) com uma emoção tal que, por vezes, me corriam lágrimas pela cara abaixo. Havia o "forte" com o som cheio, intenso tocado por todos os naipes que, depois, num ar que se lhe dava, se transformava num "piano" e era aí que nós, os saxofones, entrávamos com a melodia, enquanto os outros naipes faziam o acompanhamento. Eu sussurrava a música no sax, em vez de a soprar. Ficava de rastos.
Mater dolorosa tocada por uma filarmónica. A música não era esta mas a paisagem musical é semelhante.
E o que é que acontece quando a líder fica esventrada debaixo de um pneu de automóvel?
A procissão pára? Dispersa? Continua com outra líder?
Let´s look at the trailer
Mal a líder morre, a procissão pára. As lagartas imobilizam-se, durante 1 ou 2 minutos (filmei tudo mas só mostro um bocadinho). Há um sinal que é transmitido a toda a comitiva. Depois, as da frente (2 ou 3) exploram o território à volta do corpo esventrado das que iam à frente. Andam por ali às voltas, tentam re-arranjos de 4 ou 5 em procissão que se desfazem em novos rearranjos (filmei tudo), até que às tantas encarreiram de novo numa fila única. Depois, a procissão segue com uma nova líder como se nada se tivesse passado. Passa uma carrinha carregada de lenha, de novo as da frente quase que ficam debaixo da roda, mas a procissão segue.
O mundo fechado das lagartas não lhes permite entender o "perigo": isto por aqui, na estrada é perigoso, vamos para outro lado. Este entendimento não está ao alcance do seu cérebro. Simplesmente, têm uma palete de genes activos e proteínas a funcionar que, em função de estímulos que as suas células recebem, executam determinadas funções para as quais foram seleccionadas pela Evolução (é a isto que chamamos "instinto"). A maquinaria molecular é movida num ou noutro arranjo molecular pela cinética e pela termodinâmica. Não há leis especiais para os seres vivos.
E quase um ano depois de o João ter escrito este post, cá estou eu a rever estes videozinhos das diabas, ao som da Mater Dolorosa.
ResponderEliminarSó que agora fui também googlar o Giordano Bruno, que da outra vez me passou completamente ao lado.
O João é a minha enciclopédia:))
Incrível o que eu já aprendi aqui neste blog.
[flor]
Maria
Fiquei fascinado com o Giordano Bruno porque iniciou talvez a maior revolução na mente humana: do mundo fechado ao Universo infinito. Aliás, foi no livro de Alexandre Koyré com este título (que nunca mais esqueci) que aprendi sobre a sua obra.
EliminarJoão