segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Em tempos de invernias, das Dezêmbricas chuvadas, o ciclista extraordinário não esteve à lareira; Caramulo e Gralheira

Dezembro 2019

 It was a fucking brilliant December.

De uma penada, o ciclista extraordinário contaria que foram duas belas serras, Caramulo e Montemuro. Rajadas de vento, chuva, ribeiras, caminhos antigos em planaltos varridos por ondas de nevoeiro, estes transformados em ribeiras pedregosas ... Mas vamos por partes. As Dezêmbricas chuvas coincidiram com dois belos passeios de bike: o assalto ao Caramulo e o EpicGPS da Gralheira. Pedaladas sob temporal em ambos os casos. Madrugadas de carro até ao local de partida, quase hipnotizado pelo vai-vem das escovas do limpa pára-brisas e pelos faróis que reflectiam em mil gotas de água, o céu a clarear, a chegada sob neblinas, tirar a bike do carro, verificar se tudo em ordem, vestir as últimas peças de equipamento (luvas, casaco, sapatos, e respectivas coberturas, capacete e gorro ...), água, umas barras e pães com marmelada, e tudo sob frio e chuva que, aliás, fazendo jus à tradição, caiu abundantemente logo à partida. Por vezes lá teve que se transportar a bike às costas. Num dos casos, seguíamos nas fraldas da serra do Caramulo pelas margens de um rio. De um lado uma parede alta de pedra e do outro o rio. Vento e chuva intensos. À medida que subíamos, o rio transbordava cada vez mais, inundando as margens. Às tantas, daqui a pouco não temos caminho, o rio inunda todo o vale e ficamos entalados - previu o ciclista extraordinário. Aconteceu mais cedo do que esperava, a certa altura era só rio, uma corrente forte que submergia o caminho: ali entalados só nos restou caminhar rio acima com a bike aos ombros água adentro rente à parede e tentando adivinhar o caminho sob os pés. Lá saímos quando foi possível trepar por uma pedras e apanhar, de novo, o caminho mais acima na encosta.

Malhapão de cima, a aldeia que serve de porta de entrada ao cume da serra do Caramulo. No dia do assalto o bar da aldeia enche-se de Mamil(s) (middle aged men in lycra) entre algumas mulheres, também em lycra, obviamente. Só uma vez ali chegados foi possível tirar o telemóvel do bolso e fazer umas fotografias. E o que já tínhamos pedalado! Horizontes limpos pela chuva (sem haze), cores vivas no chão e no céu. Dali, da aldeia, fazem-se os últimos km até ao Caramulinho. Uma procissão de ciclistas pelo carreiro serra acima, uns já com o coração na boca, outros nem tanto.





À chegada ao Caramulinho o tempo estiou, parecia um dia de Verão. Até a cena das vacas a pastarem tranquilamente sob um Sol aberto, ajudava a compor o cenário. Apenas o azul translúcido do céu denunciava  o frio de Inverno.


Lá no cimo, no Caramulinho, subidas as escadas esculpidas nos penedos, bicicleta às costas (por ali acima com a bike as costas aquilo até parecia uma "promessa") as vistas a 360 graus. 


Planet earth is blue and there's nothing I can do.





Da Gralheira, na serra de Montemuro, tinha visto umas fotografias do planalto e de caminhos antigos em chão e muros de pedra. Estava com grande expectativa em pedalar por ali. Uma beleza rude mas familiar em dia de temporal foi a sensação que se me colou ao corpo logo à saída da aldeia. Tenho memória de outros caminhos semelhantes àqueles; caminhos empedrados, ladeados por muros de pedras, mesmo à medida dos carros de bois que por ali, seguramente, passaram durante 100, 200 ...  anos, os rodados marcados nas pedras como sulcos. E também de pequenos riachos furiosos, cortando os campos verdes, de aldeias de granito, de bostas de vaca nos empedrados e beirados das casas que pareciam cascatas ... Numa destas aldeias, sentada nos degraus de pedra de uma pequena capela (acho que era uma capela), uma das centenas de participantes no passeio da Gralheira tirava os sapatos. Umas madeixas loiras por baixo do capacete levantaram-me suspeitas. É ela? Quando me aproximei e reparei nas meias às riscas não tive dúvidas. Era a Loira. Uma dúvida assaltava-lhe a mente: tiro ou não tiro as meias? Pés frios e a Loira queria tirar as meias. Sem me ter pedido, dei-lhe a minha opinião: não tires. Foi o segundo encontro imediato do terceiro grau que tive com a Loira. Não sei se tirou as meias!

Também aqui, tal como na serra do Caramulo, não foi possível ao ciclista extraordinário tirar o telemóvel para fotografias. Apenas numa aberta, conseguiu 2 ou 3, as outras forma retiradas do site da organização, estando devidamente identificadas com o respectivo logotipo. E com isto, é, talvez, a primeira vez que o ciclista extraordinário aqui posta (do verbo "postar") fotografias alheias.

















É belíssimo pedalar pelas serranias no Inverno, ao contrário do que o senso comum pode sugerir. Mas o senso comum é o senso comum, é o senso comum. Um erro crasso de argumentação é não questionar o senso comum. Assume-se senso comum como "a verdade". Basta ver os debates televisivos para se perceber a ratoeira do senso comum em que muitos caem; romper com a subjectividade do senso comum de modo fundamentado e racional é missão que poucos assumem num debate. Nestas coisas, o ciclista extraordinário, às vezes, fica a falar sozinho!
O que é que o senso comum nos diz sobre o voo do cisne da neve sobre lagos gelados e brancos no ar frio da manhã?

The snow goose - Camel




4 comentários:

  1. Olá João,

    Bom saber que gostou de celebrar Dezembro com duas grandes molhas 🌨🌧 tem a certeza que não é do signo Peixes ou Escorpião?
    A fotografia das vaquinhas está linda. Parece mesmo a Irlanda ou, vá lá, os Açores, embora esta em primeiro plano não se esteja a rir; diria que está com um ar intrigado, talvez a pensar (será que as vacas pensam?)
    "Holy cow! Será que é o João? Parece mesmo ele. Não me digam que ele vai outra vez subir aquela coisa com a bike às costas. Humm (I mean muuu), por mais que tente jamé conseguirei entender os homens...".
    E é isto.
    🚴‍♂️
    Maria

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    1. Olá Maria,
      então não pensam!
      O cérebro da vaca é semelhante ao nosso. Os neurotransmissores são os mesmos, as células as mesmas, as interacções são do mesmo tipo (embora talvez menos densas), os mecanismos moleculares neurais os mesmos e por aí fora. Aliás, como a Maria observou, a vaca em primeiro plano está com ar intrigado, a avaliar a situação, sem grande receio mas atenta. As outras didn't give a shit, literalmente.
      A cena das vacas felizes que parecem rir é uma de entre tantas tontices que o senhor que nunca se enganava e raramente tinha dúvidas de vez em quando protagonizava, pondo aquele ar grave e sério de quem desvenda um dos segredos do Universo. Esse não deixou saudades.

      Signos? Ora Maria, aparentemente, sou de um signo do Zodíaco muito terra a terra.

      João

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  2. I know, I know, a especialista em meter água sou eu :))
    Mas isso do cérebro das vacas é muito interessante, não sabia.

    Bom resto de semana, João.
    🌹
    Maria

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  3. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

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