sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Açor: a linha do horizonte

Agosto 2020

O estradão em primeiro plano. À medida que se ganha altitude o ar é mais fino e os aromas mais limpos. Por isso, a altitude conta. O estradão aos 1000 m de altitude. Na linha do horizonte o maciço central da Estrela aos 2000 m. Entre ambos fiz as viagens vertical e horizontal. Ida e volta. Dia quente mas, àquela altitude, soprado por um vento que fazia estremecer o corpo suado.



Pelo meio. Pelo meio vertical e horizontal, o Adamastor do Açor: o cone quase perfeito do Picoto da Cebola (ao centro, num plano à frente da Estrela).  Do picoto da Cebola vêem-se os falcões e os açores. Estas magníficas aves planam, deixam-se ir no vento para, de súbito, tomarem um rumo que definem independentemente do vento. Um coelho, um rato e lá vão eles em mergulho. Nas pedaladas que me levam ao picoto os falcões e os açores planam a uma altitude em que os vejo pelo dorso ... vejo-os por cima, olhando para baixo (e não para cima, se necessário é dizê-lo). Plano no Açor sobre os açores.


Here we go a navegar aos 1000m de altitude. Passei grande parte da minha vida umas centenas de metros acima do nível médio do mar. Devo ter o 2,3-difosfoglicerato (2,3-DPG) ligeiramente elevado. E, à medida que pedalo, o 2,3-DPG mete-se entre as cadeias da hemoglobina nos meus eritrócitos, permitindo uma oxigenação mais fácil das células musculares das minhas pernas. Depois, tal como o sonho e a bola colorida nas mãos da criança e por aí fora, o cérebro comanda a vida e pam! lá vai a acetilcolina, pam! lá vai o sódio e o potássio, pam! lá vai o cálcio, pam! lá vou eu sem pensar nisto. Pedalada após pedalada. Pedala-se como se respira. Há um momento em que vem o cansaço. Mas o que é o cansaço? Acho que ninguém sabe. Pelo menos de ponto de vista bioquímico. Ah e tal o ácido láctico acumula-se nos músculos ... sabe-se hoje que esta não é a razão biológica. O cansaço exige um pouco mais de esforço, apenas mais um pouco até que se atinge um estado em que se pedala com a mesma naturalidade com que se respira. É um estado interessante. 

A linha do horizonte de há horas atrás, no estradão das eólicas aos 1000 m, deu lugar à linha do horizonte vista do picoto da Cebola aos 1400m de altitude. A Estrela imponente logo ali, um horizonte próximo.




Para o outro lado, para Oeste, a linha do horizonte é traçada pelo recorte do Trevim, na serra da Lousã. E daqui vejo as cumeadas navegadas para aqui chegar, quero dizer percorridas, bem entendido.



Às tantas, atravessa-se-me na mente a obrigação de uns carapaus que terei que grelhar lá mais para a noite. Hei-de fazê-los como deve ser. Grelhar carapaus é uma arte só acessível a verdadeiros "experts". Tirá-los inteiros, a pele inteira e crocante, suculentos por dentro, de um azul alourado e brilhante (isto é, não deixar secar e queimar ...) ... 


A lembrança dos carapaus faz-me tomar o rumo de casa. Horas de pedaladas pela frente.
Já metido nos vales olho, de novo, o horizonte a Oeste. O Sol baixo, a luz difractada e heis que, num passe de magia, a serra da Lousã se tinge de azul. Por breves instantes. Mudo de sítio, o Sol baixa mais um pouco, algumas nuvens passam por ali e a montanha azul transforma-se novamente. 


Aqui, onde a roda da frente da minha bike pisa ao chão, a serra é amarela e verde. Amarelo seco e verde de uns heróicos arbustos que teimam em nascer e crescer nestas encostas devastadas pelo fogo há 2 anos. Também por ali os esqueletos de algumas árvores queimadas, negras, teimando também em manter-se de pé.


As sombras nos vales, o vento mais fresco e a luz pálida formam um padrão no meu cérebro que me diz: está a anoitecer.


O vale do rio Ceira e os penedos de Fajão no horizonte mais próximo. Uma visão extraordinária.



Depois vem a noite a um friozinho que se instala na "espinha" e nos faz apressar. A contemplação não tem horas, a chegada a casa tem. Não ser apanhado pela noite nas serranias, sem luz, é uma ideia que começa a martelar na cabeça. Mas o prazer de parar e ficar por ali  olhar o pôr do Sol faz-me faz-me parar e ficar por ali a olhar o pôr do Sol.






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