23 de Outubro 2021
No imaginário Outonal, o ciclista extraordinário levava as folhas secas no chão, o vermelho tinto Douro, o amarelo van Gogh, as castanhas de castanha, a aragem fria, as neblinas matinais e por aí fora. Na realidade encontrou uma temperatura primaveril, as folhas mortas de um castanho desmaiado, um Sol brilhante. Um Outubro misturado com Abril. Um Outubro do hemisfério Sul.
As pedaladas levaram o ciclista extraordinário para os soutos do Terreiro das Bruxas. O ciclista extraordinário tem tendência a pedalar por aqueles lados não com Sol aberto mas em em dias neblínicos.
Como um rafeiro que segue uma pista de nariz no chão sem levantar a cabeça, o ciclista extraordinário percorreu a estrada da serra até chegar aos caminhos de folhas quase mortas na zona do Terreiro das Bruxas. Ora, há 3 caminhos paralelos e é o do meio que leva à fonte fria - contas de cabeça feitas pelo ciclista extraordinário enquanto se chegava para a ponta do selim, apoiando apenas a ponta externa do períneo, quase naquela zona com saliências externas onde as pernas se acabam e o tronco começa e que se deve a todo o custo evitar entalar na abertura de selim. Em caminhos íngremes não há volta a dar se não correndo o risco do entalanço porque esta é a posição em que centro de gravidade se situa mais à frente e, logo, a mais fácil para subir.
Além da beleza, a fonte fria encerra o mistério do duende, o duende da fonte fria. Às vezes, sobretudo em dias de céu aberto, com a luz a incidir em pleno na superfície da água - como era o caso - deixa-se avistar. O ciclista extraordinário subiu os degraus da fonte e pôs-se atento à superfície da água. O Sol incidia como era costume.
O cérebro discernia o em cima e o em baixo, a imagem e o espelho. Embora sejamos a pessoa privilegiada para nos enganar a nós próprios, não é fácil fintar o cérebro.
O ciclista extraordinário abeirou-se na expectativa de encontrar o duende. Por momentos, uma sombra, parecia tê-lo avistado, ou não?
Olhou de novo. Nada.
À volta a floresta em sossego e o ciclista extraordinário colhendo o doce fruto por poder estar ali.
Distraído, o ciclista extraordinário olhou de novo a fonte fria e vi-o claramente visto. O duende revelou-se por um momento. Fugaz como é seu costume.
O avistamento foi, como sempre, tão fugaz que deixou dúvidas sobre a sua existência. Olhando à volta para a encosta em baixo, tudo normal; a mancha azul no horizonte, para lá das árvores, a serra do caramulo, os cedros em primeiro plano que fazem de pórtico à fonte ...
O ciclista extraordinário fez-se ao caminho. A luz fugidia ora iluminava a berma ora projectava riscos de luz no chão ora se deixava filtrar por nuvens altas. Uma bela dinâmica de luz e sombra.
Por uns instantes, e apenas por uns instantes, uns ramitos de castanheiro com as folhas que restavam, quase que incendiava com a luz, para logo escurecer e se confundir no cenário sombrio da floresta. E foram estes breves fogachos de luz que o ciclista extraordinário foi fotografando à medida que as pedaladas o levavam de regresso a casa.
Pela memória do ciclista extaordinário passaram pedaladas de anos anteriores em que neste local era comum avistar os belos gamos e veados mas, bem o sabe, actualmente os nossos primos de 4 patas e belo par de cornos não andam por ali.
Pelo caminho, o ciclista extraordinário roeu ainda algumas castanhas. E notou uma coisa interessante. Algumas castanhas tinham apenas a casca exterior; por dentro estavam ocas. Provavelmente os esquilos. Se bem que os javalis e veados se banqueteiam com as castanhas, a habilidade de as tirar da casca deve estar-lhes interdita. Os habilidosos esquilos são os principais suspeitos do ciclista extraordinário.
E c'est la vie. A floresta outúbrica ficou para trás, as pedaladas continuaram na estrada asfaltada que levaram o ciclista extraordinário ao sopé da serra, a percorrer as ruas asfaltadas, a arrumar a bike, a tirar os sapatos e o capacete e a dedicar-se a outros assuntos. As pedaladas levaram o ciclista extraordinário para Sul.
E vamos para Sul embalados pelo bandoneón de Piazzolla.
Vuelvo el sur - Astor Paizzolla cantado por Mercedes Sosa
João, como é que consegue fazer fotografias assim?
ResponderEliminarContinua a ser o Merlin?
(onde é que eu já li isto?)
Ah, mas se eu estivesse aí esse duende tinha ido ao banho, ai tinha, tinha... 😂
Bom rumar ao sul com esses dois, muito bom mesmo.
Bom fds!
🍂Maria
Maria,
Eliminardevo confessar que as fotografias não são minhas. São do duende da fonte fria. É que, muito antes de o Zurckerberg pensar em migrar o Facebook para a realidade virtual 3D, já o duende e eu tínhamos uma "connection" no Metaverse.
Devo ainda confessar que o Blogger não me deixa responder a comentários dentro da minha conta e, por isso, respondo por aqui.
Finalmente, não sei se o duende sabe nadar, mas suspeito que qualquer tentativa de o levar ao banho sairia não só frustrada como poderia consubstanciar uma experiência que, na linguagem popular, se traduz pela seguinte expressão: às vezes o feitiço volta-se contra o feiticeiro if you know watt I mean ;)
João
Já vi que o João está muito confessional hoje...
EliminarAnd yes, I know perfectly well what you mean... but posso sempre pedir ajuda ao Sir Lancelot of the Tank, ao Alonso Quijano ou, caso este se distraia a lutar com as eólicas, ao Sancho Pança - todos grandes cavaleiros (bem, um é burreiro) sempre prontos a defender as Marys in distress ;-)
Mary still safe 😂