quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

A natureza da luz do dia

Serra da Lousã
(Janeiro 2018)


O dia tem que começar de alguma maneira.

O nevoeiro frio e denso metia-se até aos ossos. Cerca de 6-7 graus Celsius e uma humidade tal que até molhava os olhos. Sentia-se na ponta da língua como se sente o vapor de água numa sauna (aprendi na Finlândia, em saunas tradicionais, a regular a temperatura e a humidade medindo-a com a ponta da língua). À volta tudo fantasmagórico; gatos e aves fugidios, apareciam para logo se esfumarem no ambiente branco e turvo à volta, árvores cujos ramos mais altos desapareciam na atmosfera branca, luzes difusas em movimento que presumivelmente eram de automóveis, vultos indistintos ... apenas via bem a roda da frente da bike à saída da Vila antes de começar a subir a serra.

Mas estava à espera. Não foi surpresa. Indícios aqui e ali diziam-me que, ganhando altitude, passaria acima do nevoeiro e enfrentaria um céu azul cheio de Sol. Esta é uma das leis do BTT: se subirmos o suficiente apanhamos Sol ou, então, chuva e frio.
Percebi, às tantas, que estava a chegar à fronteira entre o branco e o azul.



Quando os fios de luz começam a rasgar o nevoeiro, nesta fronteira, a minha memória tem tendência para começar a tocar On the nature of daylight de Max Richter. Já aqui postei este album uma vez ou duas, sobretudo a música que tem a voz de Dinah Washington, mas que importa isso, lá vai outra vez.

Que processo fantástico a memória!



Que luz fantástica!


Depois, o Sol.

O nevoeiro metera-se no vale da ribeira de S. João



e inundava todo o vale do rio Ceira até Coimbra.


No vale da ribeira de S. João, cujo som intenso da água corrente cá em cima fazia adivinhar a turbulência lá em baixo, um pouco mais para cima, restavam ainda uns farrapos (lembrando fumo) que a luz do Sol se encarregava de rapidamente apagar da paisagem.

É por ali, por entre aquelas brumas, que habitam os os-Gorilas-do-Uganda-do-vale-da-ribeira-de-S-João.



Depois, à volta, no mesmo local onde encontrara a fronteira na subida, o nevoeiro levantava com o dia e bloqueava ainda mais a luz. Mergulhei de novo na atmosfera branca azulada e húmida até casa.

O dia tinha começado.



4 comentários:

  1. Então esteve na Finlândia.
    E encontrou por lá o Pai Natal?
    Não nos quer contar?
    E novamente este belíssimo tema do Max Richter (que afinal está num dos filmes do DiCaprio que eu tenho cá em casa).
    Sim, a memória é fantástica, o pior é quando o Sr. Alemão começa a atacar...
    Maria

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  2. Foi há uns anos, as minhas filhas eram pequenas. Arranjei uns voos baratos e aluguei uma auto-caravana. Ao aterrar, tínhamos a auto-caravana e arrancámos logo dali naquela casa ambulante. Foi delicioso. Andar de modo auto-suficiente (comida e dormida) por lagos e florestas. O país é lindo. Eles usam muito a auto-caravana e os parques nas florestas nem vedados estão, é ao natural com cabanas de apoio (bares, mercearias, peixarias - ah o belo salmão selvagem que fazíamos na frigideira !). Havia também as saunas tradicionais (cabanas de madeira e aquecidas a lenha). Foi aí que aprendi a regular a humidade, atirando água para as brasas: suga-se o ar por entre os lábios (como quem dá um beijo na face ou vai assobiar) e sente-se o friozinho na ponta da língua.. Lembro-me bem de uma escultora cuja casa visitámos no meio da floresta; ela fazia esculturas de madeira que espalhava pela floresta à volta da casa. E o aroma da madeira, lembrem do aroma da madeira por todo o lado. Estivemos na fronteira Russa, num local remoto sem saber bem de que lado da fronteira estávamos pois as pessoas por ali não falavam Inglês e as estrada não asfaltadas pelo meio das florestas não tinham sinais. Foi há uns anos.

    O Sr. Alemão tem que se contrariar na onda do keep your worries, you may never have them again. Manter a cabecinha ocupada e preocupada. O que uma boa chatice faz pela saúde !
    E, sobretudo, não deve confundir-se com o MCI (mild cognitive impairment): onde é que deixei as chaves? Como é que se chama aquela pessoa? Onde é que era isto ou aquilo? O MCI é um processo normal durante o envelhecimento.
    João

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  3. Obrigada, João, por ter contado um momento feliz da sua vida (não em duas, mas em muitas rodas).
    Deve ter sido magnífico, mesmo sem aurora boreal :)

    Worries é o que não me falta (especialmente nos últimos anos), mas se o Dr. JL diz que faz bem, eu vou acreditar.
    Não vou desenvolver mais, é difícil escrever neste quadradinho - não dá para releituras, às vezes encontro uns gatos e/ou gralhas já depois de publicar...
    mas já não dá para emendar.
    Não sou pessoa de rascunhos, por vezes quero escrever uma coisa e sai outra ;)
    Agora vou provar que não sou um robot...
    Maria

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  4. Quantas vezes não coro de vergonha ao ler coisas que escrevi; erros, pontuação ... a big mess. Mas também não sou de releituras, correcções e etc.
    Essa coisa do robot também me arrelia quando comento outros blogs. Não sei se daqui, deste lado do blogger, consigo retirar isso. Nada fiz para activar essa função.
    Eu é que agradeço os seus comentários Maria.
    João

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