(Janeiro 2018)
O dia tem que começar de alguma maneira.
O nevoeiro frio e denso metia-se até aos ossos. Cerca de 6-7 graus Celsius e uma humidade tal que até molhava os olhos. Sentia-se na ponta da língua como se sente o vapor de água numa sauna (aprendi na Finlândia, em saunas tradicionais, a regular a temperatura e a humidade medindo-a com a ponta da língua). À volta tudo fantasmagórico; gatos e aves fugidios, apareciam para logo se esfumarem no ambiente branco e turvo à volta, árvores cujos ramos mais altos desapareciam na atmosfera branca, luzes difusas em movimento que presumivelmente eram de automóveis, vultos indistintos ... apenas via bem a roda da frente da bike à saída da Vila antes de começar a subir a serra.
Mas estava à espera. Não foi surpresa. Indícios aqui e ali diziam-me que, ganhando altitude, passaria acima do nevoeiro e enfrentaria um céu azul cheio de Sol. Esta é uma das leis do BTT: se subirmos o suficiente apanhamos Sol ou, então, chuva e frio.
Percebi, às tantas, que estava a chegar à fronteira entre o branco e o azul.
Quando os fios de luz começam a rasgar o nevoeiro, nesta fronteira, a minha memória tem tendência para começar a tocar On the nature of daylight de Max Richter. Já aqui postei este album uma vez ou duas, sobretudo a música que tem a voz de Dinah Washington, mas que importa isso, lá vai outra vez.
Que processo fantástico a memória!
Que luz fantástica!
Depois, o Sol.
O nevoeiro metera-se no vale da ribeira de S. João
e inundava todo o vale do rio Ceira até Coimbra.
No vale da ribeira de S. João, cujo som intenso da água corrente cá em cima fazia adivinhar a turbulência lá em baixo, um pouco mais para cima, restavam ainda uns farrapos (lembrando fumo) que a luz do Sol se encarregava de rapidamente apagar da paisagem.
É por ali, por entre aquelas brumas, que habitam os os-Gorilas-do-Uganda-do-vale-da-ribeira-de-S-João.
Depois, à volta, no mesmo local onde encontrara a fronteira na subida, o nevoeiro levantava com o dia e bloqueava ainda mais a luz. Mergulhei de novo na atmosfera branca azulada e húmida até casa.
O dia tinha começado.
Então esteve na Finlândia.
ResponderEliminarE encontrou por lá o Pai Natal?
Não nos quer contar?
E novamente este belíssimo tema do Max Richter (que afinal está num dos filmes do DiCaprio que eu tenho cá em casa).
Sim, a memória é fantástica, o pior é quando o Sr. Alemão começa a atacar...
Maria
Foi há uns anos, as minhas filhas eram pequenas. Arranjei uns voos baratos e aluguei uma auto-caravana. Ao aterrar, tínhamos a auto-caravana e arrancámos logo dali naquela casa ambulante. Foi delicioso. Andar de modo auto-suficiente (comida e dormida) por lagos e florestas. O país é lindo. Eles usam muito a auto-caravana e os parques nas florestas nem vedados estão, é ao natural com cabanas de apoio (bares, mercearias, peixarias - ah o belo salmão selvagem que fazíamos na frigideira !). Havia também as saunas tradicionais (cabanas de madeira e aquecidas a lenha). Foi aí que aprendi a regular a humidade, atirando água para as brasas: suga-se o ar por entre os lábios (como quem dá um beijo na face ou vai assobiar) e sente-se o friozinho na ponta da língua.. Lembro-me bem de uma escultora cuja casa visitámos no meio da floresta; ela fazia esculturas de madeira que espalhava pela floresta à volta da casa. E o aroma da madeira, lembrem do aroma da madeira por todo o lado. Estivemos na fronteira Russa, num local remoto sem saber bem de que lado da fronteira estávamos pois as pessoas por ali não falavam Inglês e as estrada não asfaltadas pelo meio das florestas não tinham sinais. Foi há uns anos.
ResponderEliminarO Sr. Alemão tem que se contrariar na onda do keep your worries, you may never have them again. Manter a cabecinha ocupada e preocupada. O que uma boa chatice faz pela saúde !
E, sobretudo, não deve confundir-se com o MCI (mild cognitive impairment): onde é que deixei as chaves? Como é que se chama aquela pessoa? Onde é que era isto ou aquilo? O MCI é um processo normal durante o envelhecimento.
João
Obrigada, João, por ter contado um momento feliz da sua vida (não em duas, mas em muitas rodas).
ResponderEliminarDeve ter sido magnífico, mesmo sem aurora boreal :)
Worries é o que não me falta (especialmente nos últimos anos), mas se o Dr. JL diz que faz bem, eu vou acreditar.
Não vou desenvolver mais, é difícil escrever neste quadradinho - não dá para releituras, às vezes encontro uns gatos e/ou gralhas já depois de publicar...
mas já não dá para emendar.
Não sou pessoa de rascunhos, por vezes quero escrever uma coisa e sai outra ;)
Agora vou provar que não sou um robot...
Maria
Quantas vezes não coro de vergonha ao ler coisas que escrevi; erros, pontuação ... a big mess. Mas também não sou de releituras, correcções e etc.
ResponderEliminarEssa coisa do robot também me arrelia quando comento outros blogs. Não sei se daqui, deste lado do blogger, consigo retirar isso. Nada fiz para activar essa função.
Eu é que agradeço os seus comentários Maria.
João