segunda-feira, 16 de março de 2020

Concentração urbana, biodiversidade, sistema imunitário ... e a vida no sec. XXI

Março 2020


Mais de metade da população humana habita concentrada em zonas urbanas. Um terço em bairros de lata, favelas e afins. Nos designados países desenvolvidos a percentagem é, em muitos casos, superior a 90%. Definições precisas de urbano e rural à parte (mais ou menos que X habitantes numa dada área), a concentração de humanos em grandes agregados é uma tendência recente - vista em termos da história da humanidade, bem entendido -, contando apenas alguns séculos.
Nos últimos anos, têm sido publicados artigos científicos sobre a "hipótese da Biodiversidade" (por exemplo aqui). É uma bela hipótese que pode ser formulada do seguinte modo: o contacto com o ambiente natural (com a natureza) enriquece o microbioma humano que, por sua vez, promove o equilíbrio/funcionalidade do sistema imune e protege de alergia e doenças inflamatórias.
Em duas palavras, as células dos nosso organismo vivem em simbiose com bactérias, fungos, vírus (e outros microorganismos) que habitam o intestino, pele e mucosas ... globalmente designadas por microbioma. Somos ecosistemas. Somos hospedeiros de uma quantidade imensa de microorganismos dos quais precisamos para nos manter com saúde. A relação/comunicação bi-direccional entre o microbioma e as "nossas" células é essencial à saúde. A alteração na biodiversidade e composição do microbioma, sobretudo o intestinal, tem sido associado a doenças (por exemplo, autismo e parkinson). Este microbioma que nos habita (o "nosso" microbioma) está em equilíbrio dinâmico com o microbioma externo ao nosso organismo, o microbioma ambiental (bactérias, fungos, vírus e outros microorganismos do solo, da água e das plantas).  O "nosso" microbioma é uma interface entre "nós" e o meio ambiente. Portanto, o que comemos, o que bebemos, o que inalamos e o que tocamos afecta  a composição do "nosso" microbioma que, por sua vez, influencia a actividade e funções das "nossas" células/orgãos/sistemas, em suma a nossa saúde e comportamento.
Pronto, feita a introdução, acho que agora se percebe a hipótese da Biodiversidade: a redução da biodiversidade do microbioma ambiental que ocorre nos centros urbanos (em comparação com o meio natural) tem impacto negativo no nosso microbioma e, reduzindo também a biodiversidade, leva a distúrbios na resposta imune e a risco aumentado de doenças inflamatórias. Visto ao contrário é mais interessante: o contacto com a natureza, noção que inclui o acto de tocar na terra, nas plantas, água ... aumenta a biodiversidade do nosso microbioma, promovendo a saúde.

E, se alguém leu isto, já deve estar a pensar: "então mas os vírus, o Corona e tal ... o contacto com a terra e os animais, os morcegos e outros hospedeiros !?" Claro que sim, que há riscos mas ter um microbioma biodiverso não atrapalha nada, pelo contrário suporta um ecossistema que ajuda a controlar as populações dos microorganismos potencialmente causadores de doença.

Bela hipótese.

Tocar a terra e as plantas



Imergir a mão na água que corre em riachos




Isn't life strange (Moody Blues)




4 comentários:

  1. Olá João,

    E não sai daí um cocktail de natureza que dê para partir as pernas ao bicho a ver se ele deixa de correr e trepar como tem andado a fazer por aí? Uma vacina feita do melhor e mais resistente que há pelas serras e pelos rios? Vamos deixar que um vírus da treta vire o mundo do avesso?

    Diga de sua justiça, Mestre das Forças Supremas da Natureza.

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    1. Olá UJM,

      Este vírus surgiu de mansinho e a ignorância sobre aspectos importantes da sua Biologia é grande, nomeadamente quanto tempo dura a imunidade (após a infecção). Pelo que li, tem dois genes que estão a sofrer mutações desde que foi detectado na China. Este dois genes são responsáveis pela sua capacidade de tornar disfuncional o mecanismo de transporte de oxigénio no sangue (extrai o ferro da hemoglobina e esta deixa de ligar oxigénio). Portanto, a acção do vírus involve não apenas a perturbação da difusão de oxigénio nos pulmões (local primário de actuação do vírus) mas também o transporte a jusante (no sangue). Este é um aspecto também importante que tem que ser mais bem estudado.
      A imunidade de grupo é um aspecto em que os epidemiologistas estão a apostar (sobretudo no UK). Pelo que li, se o R0 for 2.5, a imunidade de grupo atinge-se quando 60% das pessoas tiverem sido infectadas e adquirido imunidade. Com as medidas de distanciamento social se o R0 vier para 1,25 a imunidade atinge-se aos 20% da população imunizada. Isto acontece no vírus da gripe. E, tal como no vírus da gripe (que mata), nem toda a gente é vacinada, apenas os grupos de risco. Em ambas a s situações há muitas mortes. O problema é que seria necessário manter os comportamentos de distanciamento social para evitar que o R0 aumente. E, por outro lado, tal situação destruiria a economia.
      Há que conhecer mais bem a Biologia do vírus. Ele vai ficar por aí. É selectivo, pois nem toda a gente fica doente e uns mais que outros (idosos, diabéticos...), o que aponta para o papel importante do sistema imune. Portanto mantendo o sistema imune "saudável", interagindo com o meio natural, tendo dietas decentes (frutas e vegetais frescos, pouca carne ... e comer poucas vezes), mantendo-nos activos fisicamente ... são variáveis ajustáveis que podemos controlar. Claro que não estou a fazer apologia de vidas insípidas, contemplativas ... logo eu que acho que o prazer e o "pecado" são essenciais à saude do cérebro. Mas, em média, ajustando comportamentos para nos mantermos saudáveis dá uma ajuda para resistir a esta e outras doenças.
      João


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  2. Olá João,

    Penso (donc...) que o comentário que deixei no postal anterior também ficaria bem aqui :)
    Talvez acrescentasse que um bom vento das montanhas também faz maravilhas, areja as ideias, até porque many times the answer is blowin'in the wind... é só saber escutá-la.

    Maria

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  3. Obrigada João, entendido. Tempos difíceis. Haja engenho e arte do lado de quem pode ajudar e força anímica para quem precisa de ajuda.

    E continuação de boas pedaladas por entre o ar puro.

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